cultura do consumo

Do mesmo modo, o sociólogo Michael Schudson (1986), em pesquisa realizada sobre o papel do anúncio comercial nos Estados Unidos, já constatava que não há como entender o funcionamento do advertising sem entender como funciona a própria cultura, argumentando, com isso, que o anúncio não tem o poder persuasivo que muitas vezes é acusado de ter, sem que a própria cultura do consumo, através de suas outras indústrias, cumpra seu papel.
— FONTENELLE, 2017, p.72

Breve trecho do ótimo livro de Isleide Arruda Fontenelle. A professora da FGV busca remontar, cronologicamente, os giros que, no mundo ocidental, trouxeram o consumo - material e "simbólico" - para o centro das nossas rotinas. Vários episódios e detalhes ajudam a dar forma a esse movimento da cultura, que tem assumido diferentes tons do fim do século XIX até agora. Destaco, porque chamou muito minha atenção, o comentário sobre a "conquista da autonomia do vestuário", a partir da primeira fase da revolução industrial, quando a emergência de uma nova subjetividade passa a dispor da liberdade de escolha (e encarnação) da própria roupa, até então determinada por leis e regulamentações de classe.  

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Depois, fui olhar a página do Victoria and Albert Museum, para imaginar, com mais elementos, essa emergente "moda do consumo" da segunda metade do século XIX.

Towards the end of the 19th century the rate at which the fashionable silhouette changed quickened. The increasing popularity of paper patterns and the growth of women’s fashion periodicals encouraged home dress-making during the second half of the 19th century. The withdrawal of the paper tax in the middle of the 19th century had stimulated the growth of publications, especially magazines aimed at women. It was during this period that magazines introduced paper patterns.
— Victoria and Albert Museum,

stylus, de novo

Nas tabuletas, a escrita é necessariamente efêmera. Para que os poemas possam ser enviados a um amigo ou reunidos em livro (designado como liber, libellus ou codex), é preciso que sejam transcritos no pergaminho. Tal tarefa é vista por Baudri como uma arte - o que supõe uma habilidade específica - e como um trabalho que merece remuneração.
— CHARTIER, 2007, p.30
Tabuleta de cera romana, usada também na Idade Média. 

Tabuleta de cera romana, usada também na Idade Média. 

A operação de conservação, aqui confiada à escrita, pode muito bem ser inteiramente mental e distribuir, entre os sistemas alfabéticos, as séries numéricas ou as divisões arquiteturais que estruturam a memória, os elementos que devem ser nela arquivados. O segundo objetivo da leitura é a meditatio, que relaciona o texto lido a outros, reencontrados nas “tabuletas da memória”. Se a leitura que permite a memorização pode ser silenciosa, feita em voz baixa ou em voz alta, sem que isso importe muito, a leitura que se afasta da linearidade do texto exige concentração e silêncio. Tal leitura é, evidentemente, mais própria aos textos de saber do que aos jogos da poesia, cuja versificação métrica requer uma voz que lê ou interioriza.
— CHARTIER, 2007, p.41-42

arte (des)objeto

A concepção dessa objetividade exemplar está por trás do diagnóstico da morte da arte, no final do livro. Argan via a criação artística como esse modelo por excelência das atividades produtoras, por meio das quais o homem fabricava objetos, organizava e atribuía significado ao mundo em torno dele. Mas os rumos da arte contemporânea - passando pela arte pop, pela arte conceitual, pelas performances etc. - apontavam em grande medida para o fim da obra enquanto produção de objetos. Basta lembrar, a esse respeito, o argumento do artista conceitual Joseph Kosuth de que os objetos eram conceitualmente irrelevantes para a condição de arte.
— Pedro Süssekind (2017, p.53)

permanecer na escola

Nas letras e nas ciências, as profissões de praxe, como magistério, pesquisa e algumas carreiras imprecisas, são de outra natureza. O estudante que as escolhe não se despede do universo infantil: antes, empenha-se em mantê-lo. Não é o magistério o único meio oferecido aos adultos que lhes possibilita permanecer na escola? O estudante de letras ou de ciências caracteriza-se por uma espécie de recusa que ele contrapõe às exigências do grupo. Uma reação quase conventual incita-o a retrair-se temporariamente ou de forma mais duradoura, no estudo, na preservação e na transmissão de um patrimônio, independentemente do tempo que passa; quanto ao futuro cientista, seu objeto é comensurável à duração do universo.
— LÉVI-STRAUSS, 2017, p.58

sub x counter

Hippies are usually understood as counter-cultural rather than subcultural: as John Robert Howard has put it, they ‘posed a fairly well thought-out alternative to conventional society’ and, importantly for the notion of a counter-culture, there was some sense that this alternative mode of living ‘would induce change in the rest of society’ (Howard 1969: 43; see also Roszak 1970). Very few subcultures have widespread social change on their agenda, nor (with some exceptions) do they imagine that society’s values ought somehow to reflect or absorb their own. But counter-cultures do, so that it is commonplace to suggest, for example, that hippies ‘made a lasting impact on the ethos of America’ (Miller 1991: 3) or that ‘hippie values’ are indeed broadly shared or symphatised with.
— GELDER, 2007, p.21-22
Hippies, "Summer fo Love", Califórnia (1967)

Hippies, "Summer fo Love", Califórnia (1967)

Teddy Boys, Inglaterra (50s)

Teddy Boys, Inglaterra (50s)

liminoide, juventude e culturas do contra

Entre inúmeras tribos da América do Norte, o prestígio social de cada indivíduo é determinado pelas circunstâncias que envolvem as provas a que os adolescentes devem se submeter na puberdade. Alguns abandonam-se sem comida numa jangada solitária, outros vão buscar o isolamento na montanha, expostos aos animais ferozes, ao frio e à chuva. Dias, semanas ou meses a fio, dependendo do caso, eles se privam de alimento, comendo apenas produtos grosseiros, ou jejuando por longos períodos, agravando inclusive o debilitamento fisiológico com o uso de eméticos. Tudo é pretexto para provocar o além: banhos gelados e prolongados, mutilações voluntárias de uma ou de várias falanges...
(...)
Pois não se trata, nessas tribos das planícies ou do planalto norte-americanos, de crenças individuais que se opõem a uma doutrina coletiva. A dialética decorre dos costumes e da filosofia do grupo. É no grupo que os indivíduos aprendem sua lição: a crença nos espíritos guardiões é própria ao grupo, e é a sociedade inteira que ensina a seus membros que, para eles, só existe oportunidade, no seio da ordem social, à custa de uma tentativa absurda e desesperada de saírem dela. (LÉVI-STRAUSS, 2017, p.40-41)
— Tristes trópicos, Claude Lévi-Strauss (1955)
Larry Clark, "Tulsa" (1971)

Larry Clark, "Tulsa" (1971)

los mejores tips de belleza

Ao lado de outros 19 autores brasileiros, participo da coletânea Nosotros, organizada por Katia Gerlach, com publicação em português, pela Oito e meio, e em espanhol, pela Díaz Grey. Cada um dos textos do livro narra um pedaço - de espaço, pessoas e tempo - da América Latina.

Fiquei com Manágua, na Nicarágua, e confesso que o processo de pesquisa foi, para além de didático, muito divertido. Entre outras coisas, topei com alguns vídeos estilo slideshow, com fotos e frases curadas por autores bem fãs do país. Na época em que eu escrevia, não sei se permanece igual, o Street View estava fora do país de Sandino. Fiquei pensando se seria sintoma de algum anti-imperialismo. Acontece que, quando comecei a esboçar o núcleo do que eu contaria, vi que a Avon, de alguma maneira pano de fundo da aventura que enreda os personagens, estava rolando bem solta por lá. E esse embate todo, mais os acidentes da vida comum, acho, renderam um resultado que me deixou feliz.

O lançamento da edição em português será no dia 14 de novembro, no espaço Oito e meio, no Rio. 

Por fim, o principal motivo do post: Lucas Hirai,  do ensaio "Deus vai te derrubar", fez este vídeo teaser para o conto: 

"Deus vai te derrubar" _MG_3131

Essa é provavelmente minha favorita da série. Não sei se o Lucas se deu conta - imagino que não - , mas existe alguma coincidência no fato de a garota vestir a camiseta com um "I love" alguma coisa. No álbum em que Estela mantém as fotos do que não vai se repetir, nem de um jeito diferente; em que aparece a imagem dela com Gabriel, seu professor; a fã de Bowie guarda a lembrança da hora e da vez diante do letreiro "I amsterdam", bem no estilo das camisetas que estampam o amor do turista programado. A foto cresce quando revela um flagra cotidiano, quando descobre o que pode restar de surpresa naquilo que parece inevitável. 

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Tem ainda o número da foto, que mantive propositalmente no título do post. Em Um céu diferente daquele de lá, no conto "Vinte e dois anos", o narrador esboça uma microteoria sobre os números que somam quatro, herdada do convívio com uma amiga japonesa, pra quem os sons de 4 e de morte coincidem. 

É verdade que 3131 soma oito. Acontece que, quando a gente topa brincar de superstição, todo sinal é sinal - e é impossível não ler esse 3131 como dois 4 seguidos. Em "Deus vai te derrubar", Estela vive cercada por um destino quadrado, que não aponta para muitas saídas. 

"Deus vai te derrubar"

"Deus vai te derrubar" é um conto de Até de repente. Pra minha sorte, quando leu o texto, o Lucas Hirai teve vontade de clicar uma série a partir dali. Vou reunir o resultado no blog, com comentários meus, apontando rastros que, na minha imaginação, aproximam um do outro. 

Alguns posts repetem o que escrevi no Instagram. Outros acrescentam pontos, no melhor estilo app sem fio. 

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Em "Deus vai te derrubar", Estela, ajudada por sua enfermeira, faz um trabalho de fotomontagem motivado pelo Poetismo, "movimento" da vanguarda theca. Usa uma foto sua como barco para uma porção de fotos com Estelas menores. Um medo enorme de morrer afogada antes de alcançar a praia.