Nuestro cabaret es un gesto. Cada palabra que se dice o se canta en él significa, por lo menos, que esta época degradante no ha logrado infundirnos respeto, ni imponiéndolo por la fuerza. Además, ¿qué hay de respetable e imponente en ella? ¿Sus cañones? Nuestros grandes tambores los superan, los cubren y acallan. ¿Su idealismo? Hace tiempo que se ha convertido en motivo de risa, tanto en su versión popular como en la académica. ¿Las grandiosas matanzas que celebra y sus hazañas caníbales? Nuestra locura voluntaria, nuestro entusiasmo por la ilusión desbaratará sus planes.
todos artilheiros
Tenho conversado muito sobre o lugar das situações, particularmente da deriva, hoje, com os grandes Christiam, João e Matheus. Nas idas e vindas dessas conversas, que migraram para o Telegram, entendemos, óbvio, que, atualmente, a perambulação desprogramada, o andar movido pelo despiste, certamente passa pela desvio na captura dos dados. Mergulhamos em leituras e revisitamos uma série de textos e ideias, antes de chegar à atuação de diversos artistas contemporâneos que transportaram o desvio criativo situacionista para a arquitetura do digital.
Nesse caminho, reencontramos o já clássico Luther Blissett - e sua aterrissagem entre os italianos do Wu Ming - e decidimos bolar uma intervenção-resgate-homenagem na CCXP 2019. Mais que nunca, o direito ao anonimato, a autonomia sobre ter ou não nossos gostos e preferências reconhecidos, passou a valer outros gestos, inclusive os que entregam diversão.
art as experience
My purpose, however, is not to engage in an economic interpretation of the history of the arts, much less to argue that economic conditions are either invariably or directly relevant to perception and enjoyment, or even to interpretation of individual works of art. It is to indicate that theories which isolate art and its appreciation by placing them in a realm of their own, disconnected from other modes of experience, are not inherent in the subject-matter but arise because of specifiable extraneous conditions. Embedded as they are in institutions and habits of life, these conditions operate effectively because they work so unconsciously. Then the theorists assumes they are embedded in the nature of things. Nevertheless, the influence of these conditions is not confine to theory. As I have already indicated, it deeply affects the practice of living, driving away esthetic perceptions that are necessary ingredients of happiness, or reducing them to the level of compensating transient pleasurable excitations. (DEWEY, 1934/2005, p.9)
mortos e fantasmas
A própria eletricidade deu um fim nisso. Quando lembranças e sonhos, mortos e fantasmas se tornam tecnicamente reprodutíveis, então a força da alucinação se torna desnecessária, tanto nos escritores quanto nos leitores. Nosso reino dos mortos deixou os livros nos quais habitou por tanto tempo. Não é mais “só por meio da escrita que os mortos permanecem no pensamento dos vivos”, como certa vez escreveu Diodoro Sículo. O nosso reino dos mortos transformou-se num espetáculo midiático. (KITTLER, 2019, p.33)
Estamos todos desprotegidos
Já de um tempo, tenho circulado por São Paulo em busca de alguns letreiros. Isso é parte do que eu estudo e tenho pesquisado no doutorado. A ideia de que uma palavra, que é sempre performance, é mais performance quando se projeta sobre o espaço público, como rastro de alguém que disse, dizendo ainda. Onde há palavra, uma voz sussurra. A palavra ecoa a voz de algum performer.
Desde o começo do século passado, com a instalação do primeiro letreiro em néon, numa barbearia de Paris, a palavra acesa seduziu, assustou e encantou quem, como nós, anda com medo da cidade escura. Dá para imaginar o que era a noite nas sociedades de “pequena escala”, iluminada pelo céu. O frio era mais frio. E o tempo, mais interminável.
Por isso, venho experimentando alguns movimentos com a palavra pública, para chamá-la de algum nome (apesar de que toda palavra que sai da gente torna pública alguma parte nossa). Nesse terreno borrado, entre a publicidade e uma sensibilidade que poderia ser associada à arte, redescobrimos não apenas a palavra como imagem, uma magia que torna presente o ausente, que acende mentalmente uma ideia; mas a palavra como ação, como gesto performativo, como um corpo que diz e encena, de longe.
Sugeri, para alunas e alunos fabulosos para quem dou aula, a ideia de escrever sobre acontecimentos dos que nos protegemos no mês em que estivemos sem aula. Usamos um pouco a ideia do italiano Cavellini, que, a partir dos anos 70, praticou o que chamou de autostoricizzazione. Usava os corpos das pessoas para inscrever as histórias delas mesmas. De algum modo, fizemos isso com os nossos medos. Na linha do que Maui trazia no corpo, em Moana.
Após registrar algumas vulnerabilidades nossas, o grupo de alunos reuniu, em alguns títulos, uma síntese do que apareceu escrito sobre os corpos. De certa forma, como saída paradoxal para o que normalmente guardamos com a gente, propus, desde o início, que essas tentativas de proteção fossem exibidas num letreiro luminoso instalado na janela do meu apartamento.
O letreiro, agora, está aberto a colaborações. Durante este segundo semestre, vai explodir feito biribinha.
Quando eu descobri que era existencialista
Entre os 20 e 23 anos, tive um casal de amigos que, melodicamente, vou chamar de Rubens e Raquel. Por diversos fins de semana, saíamos radiantes com a ideia de que éramos capazes de inventar uma noite, um jeito de fazer da noite uma noite do nosso tempo, e de fazer esse tempo ser mais nosso. No fundo, nos sentíamos prontos para antecipar o tempo que, de alguma maneira e em algum momento, viria a ser o tempo dos outros. Evitávamos repetir os lugares, os percursos e até a combinação das palavras de “todo mundo”, porque, assim, estaríamos justamente mostrando que era possível, e desejável, fazer diferente, ser diferente - sendo como a gente.
Numa dessas noites, nos imaginando longe do baile branco fora da média, de onde particularmente eu nunca realmente sairia, sentamos para comer num café chique, depois de ter filmado alguns depoimentos em bares, filas e calçadas, sobre o significado do amor. Se existe, o que é? Se não se define, ainda seria?
Raquel e Rubens, talvez nessa ordem, amaram-se. Ou acreditaram que estavam se amando. Ou tanto faz.
Os registros sobre o amor que capturamos em VHS estragaram no quarto dos fundos de uma casa grande no Butantã. Mas a conversa que tivemos, os três, continuou, ou eu continuei, como solilóquio, conforme aquilo bateu, e continua a bater, em mim.
O Rubens declarou que nós éramos existencialistas. Engatinhar dos anos 2000. São Paulo. Era um pedaço pequeno de São Paulo, era a procura, numa outra Paulista, pelo lado B da cidade com mais lados que já vi no mundo. Raquel e eu estávamos caminhando para terminar nossas faculdades; Rubens nunca foi estudar depois do supletivo. Mas era quem mais tinha lido entre nós, e entre os nossos de quem nos queríamos diferentes.
“Nós temos certeza de que, sendo o que somos, criamos alternativas para a maioria em quem não nos reconhecemos”, disse ele, da maneira calma com que sempre disse as coisas que disse pra mim. “Não estamos amarrados a nenhuma ideia que quiseram pra gente; vamos fazer da vida o que a vida que a gente imagina pode ser”.
Se existe essa vida, o que foi? Se não se define, teria sido?
Nada feito - pro Francis e pros allïes
Neste semestre, surgiu a ideia de trabalhar a performance “Sometimes making something leads to nothing” (1997), do Francis Alÿs, como atividade com os alunos do curso de Criação. Num primeiro momento, assistiram ao vídeo que registrou a performance, sem saber que ele retornaria, na aula seguinte, como convite para uma ação, com outras ideias e novos nadas, inspirada no que os próprios alunos sentiram e entenderam a partir do nada original.
O grande lance de “Sometimes…”, pra mim, é o fato de, na performance, o fazer desfazer o sentido do que está sendo feito. Em outras palavras, tão confusas quanto: fazer é desfazer enquanto se faz. Se, no movimento de Alÿs, ressoa um Sísifo e, com ele, todo o eco perturbador de que o nada é a maior condenação da vida, particularmente a humana, que se acredita única na hora de descobrir o sentido do mundo e das coisas; no nosso, capturado no vídeo abaixo, o nada é uma homenagem e uma resignação. Esvaziar de sentido para mostrar que já é tudo vazio, em loop, termina sendo um exercício que, estranhamente, acomoda, em vez de desesperar.
Nosso nada, realizado:
A performance de Alÿs:
A literatura é um acerto de contas com o que acaba
Com tudo o que faz da gente o que a gente imagina ser.
***
Sempre sento para escrever, sobre um episódio inspirado no que eu quis que fosse, do jeito que eu quis, ou em alguma tentativa pura de invenção, impossível mas heroica, e travo uma batalha, fatalmente fracassada, contra mim mesmo, contra a incapacidade que tenho, que temos, de ser pra sempre e, assim, dispensar artifícios que esperam prolongar o que tem fim.
Penso num casal deixando uma mesa, o bar em Quito; têm jeito e cara de estrangeiros, na Plaza Foch, querendo achar a América Latina cosmopolita e tramar um futuro onde o novo nem sempre é desenvolvido, e as margens do tempo oscilam como a auréola ao redor dos luminosos que vendem bebida, hospedagem e estações de internet. Ela acende um cigarro, não sabe se pode; faz diferença nenhuma, porque ela não fuma. Ele pensa na cantada que levou, de um homem, e de manhã, no ponto onde esperava o tour que sairia para o topo de um vulcão. Resvalam as mãos umas nas outras, apressam o passo até o espaço das mesas recuadas; divertem-se com o balanço que rege os corpos dos outros, corpos cheios do mesmo sotaque que perceberam, então, na voz e nos tons de quem tempera bem o peixe e recomenda literatura jovem boliviana.
Estão achando graça em dançar, colar o rosto e respirar a respiração da boca de cada um; um vai e um vem, uma régua que nivela o salão, subindo todos para uma mesma altura, onde o céu conta as pessoas como peças de uma constelação. E, sendo isso, só isso, é tão isso que ameaçam esquecer a crueza do dia seguinte e das manhãs por vir, dias depois, na rotina de trabalho e na comida por quilo. Ouvindo o pop em francês, quadril pra frente e pra trás; foi na década de 80, assim, mas, sem saberem, era de novo, com eles, pela primeira vez, numa noite que não volta, não voltaria jamais.
A feeling of no future
Resíduos e escombros
Beckettéricas, ou esperando o robot
Tem essa ideia, tantas vezes acusada de pessimista, e pós-moderna, de que a esperança diminui num passo inverso à proliferação das revoluções técnicas e da síntese de inteligências que complementariam, superando, a nossa. A frustração com aquilo que essas aquisições não trouxeram, se é que não trouxeram, pode ter uma face decepcionada, mas, numa perspectiva de contramão, aumenta a desesperança justamente porque, antes, lança a esperança num degrau vertiginoso. Quanto mais alto, maior o tombo.
Já há algum tempo, passeando pelo Maps, fico interessado no número de construções, nas nossas cidades, reféns de algum tipo de promessa. Aliás, quando visito uma cidade, quase tudo nela me põe em contato com o plano e a expectativa de quando apareceu. Um drogaria, um banco, um hospital, uma igreja, ou uma lotérica: tudo, no homem, é um exercício de fé. Saber que o nosso mundo tem fim pauta muita coisa, não tudo, na vida.
Então, esperando pelo fim, fatal, esperamos, em chave de combate, por um amontoado de acontecimentos e realizações que, às suas maneiras, adiam o confronto com a falta definitiva de tempo para levantar e imaginar de novo. É assim que surgem as Beckettéricas e a espera pelo robot. Diante de prints com pessoas investindo expectativa em casas de jogo e sorte, insiro diálogos da ainda belíssima peça do Beckett, Esperando Godot. Se chega? Só Deus dirá.
Em breve, não sei se em tom de resgate ou resignação, as montagens vão circular em lambes colados por São Paulo. Até.